Fazia muito tempo que os franceses não viam um primeiro-ministro ser derrubado por um voto de desconfiança, já que desde 1962, quando o presidente era o heroico general Charles de Gaulle, o país não assistia o chefe do governo ser retirado do cargo pelo legislativo. Naquela ocasião quem perdeu a posição foi Georges Pompidou, apenas temporariamente, e hoje Michel Barnier, parece tê-la perdido de maneira definitiva. A simples escolha de Barnier pelo presidente Emmanuel Macron já revela a profundidade das fissuras no tecido político francês, que em eleições antecipadas viu seu legislativo rachar em três partes relativamente equivalentes e inviabilizar uma coalizão majoritária.
No verão europeu de 2024, o legislativo francês de 577 cadeiras, teve cerca de 180 cadeiras para a coalizão da esquerda moderada com a esquerda radical, cerca de 160 cadeiras para a legenda centrista de Macron e cerca de 140 para a união ultraconservadora e de extrema-direita. Sem a soma de 277 deputados, o presidente foi obrigado a nomear um governo minoritário com o conservador Michel Barnier no cargo mais importante.
Após um ano de performance econômica tímida e com as crescentes tensões internas acarretadas por uma política migratória falida, a França de Macron esperava chegar em 2025 com a esperança de recomeço. Para que esse caminho fosse pavimentado era necessária a aprovação do orçamento por parte do parlamento, mas que teve seu rito ignorado por Barnier que resolveu referendá-lo sem a devida consideração dos demais deputados.
Tal manobra causou grande descontentamento por parte da robusta oposição, resultando na apresentação de uma moção de desconfiança pelos esquerdistas, referendada pelos ultraconservadores. Uma “aliança” improvável, mas focada em enfraquecer um adversário em comum. Com 331 votos dentre os 577 deputados, Michel Barnier foi derrubado de seu cargo e deverá seguir interinamente na posição até a nomeação de uma outra pessoa pelo presidente Emmanuel Macron.
Considerando as possibilidades constitucionais, Macron tem em mãos duas alternativas, e embora sejam diferentes, desgastarão intensamente o seu partido e sua figura para as próximas eleições. A primeira delas envolveria buscar construir uma coalizão majoritária, dialogando com um dos dois grandes blocos de oposição. Por mais que ideologicamente seja mais fácil conversar com o bloco de esquerda, as desavenças entre Macron e Mélenchon, líder da França Insubmissa, impossibilitariam um governo tranquilo.
Do outro lado, uma aliança entre Macron e Le Pen é ainda mais fantasiosa, dado o enfrentamento direto dos dois nas urnas em duas ocasiões. A segunda opção é dobrar a aposta e repetir o que fez com Barnier, escolhendo mais um nome para liderar um governo minoritário e ter fé que mais um voto de desconfiança não aconteça antes de junho de 2025. Muitos analistas europeus acreditam que a tendência neste momento é mais um governo minoritário, com a nomeação do novo primeiro-ministro já no próximo sábado.
Michel Barnier também entrará para a história da 5ª república francesa como o primeiro-ministro que menos ficou tempo no cargo, apenas por três meses. Essa efemeridade de sua passagem pela segunda posição mais importante em uma república semipresidencialista revela o quão frágil é o governo Emmanuel Macron atualmente. A baixa popularidade do presidente e as dificuldades crescentes dentro da segunda maior economia da União Europeia demonstram que fazer política na França de hoje em dia não é uma ciência exata, mas que ainda necessita da aritmética básica de um governo majoritário para funcionar.
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